sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Leituras argentinas - Lagrimas de Hielo -Natasha Niebieskikwiat

Ninguém em são consciência pode pretender que uma guerra seja um momento de exercício estritamente profissional como cada um de nós faz em seu dia a dia. Mesmo em uma tropa altamente profissionalizada, que sabe o que tem pela frente, o princípio básico que rege o dia a dia das tropas é o da sobrevivência.
Como já foi dito, primeiro por si e por sua sobrevivência e depois pela Pátria e pela honra e, por mais paradoxal e inconfessável, esse é o princípio que rege a "diplomacia por outros meios" como diria Clausewitz ao referir-se à guerra. 
No caso desse livro em particular, Lagrimas de Hielo (Lágrimas de Gelo) da jornalista argentina Natasha Niebieskikwiat, não seria tão absurdo considerar o que se relata como um exagero mas, infelizmente, não é. E as denúncias são gravíssimas como poderá se ler.

A GUERRA A TRAVAR E AS TROPAS ARGENTINAS

A questão da motivação para ir às Malvinas são objeto de discussão dentro da própria Argentina, com alguns (maioria) defendendo que a invasão deveu-se à um impulso de manutenção da ditadura argentina que estava com problemas graves na economia e já com contestações graves de ambos os aspectos e outros como Nicolás Kasanzew que não associam diretamente à tentativa de preservação da ditadura mas sim à concretização de um reclamo argentino que tinha se prolongado por mais de vinte anos e que estava, ao menos na fase da intenção, a ponto de se concretizar.
O chocante livro de Natasha Niebieskikwiat
No entanto, por mais tempo que tivesse para ser  pensada e planejada, o que se viu foi uma tropa majoritariamente de conscritos, ou seja, pessoas que estavam prestando o serviço militar obrigatório, com diversos graus de instrução, normalmente sofríveis, já que a classe de 63 estava incorporada a pouco tempo e a classe de 62, com muitos já fora dos quartéis, os chamados "chicos de la guerra" foram mandados, alguns informados em última hora, foram despachados para ilhas inóspitas, próximo ao inverno, com temperaturas baixo zero.
O chamado "cálculo estratégico" que nem era cálculo e muito menos estratégico, é que os Estados Unidos  ficariam neutros e a Inglaterra não reagiria, ou seja, a principal potência com passado colonialista,  deixariam para lá um território que ocupavam e suportariam ver suas tropas Royal Marines com o rosto no chão e rendidas. 
Sobretudo, o governo de plantão em Buenos Aires esqueceu-se que Tatcher também estava passando um momento político e econômico extremamente delicado e à ela conviria ter um momento de união nacional? Porque não uma guerra ou como diriam os Buzzcocks, "Let´s start a war, said Maggie one day". Estava tudo pronto para a tragédia.

CORTANDO OS SUPRIMENTOS E GERANDO CASTIGOS

As tropas argentinas foram dispostas pelo continente, em diferentes locais, alguns de acesso muito restritos, para fazer frente à uma possível resposta inglesa. Quando essa se efetivou,  o afundamento do ARA General Belgrano e o cerco aéreo feito pela RAF, cortou as linhas de suprimento tanto de armamento mas principalmente de comida e roupas para as tropas já estabelecidas, em grande número.
Obviamente, com esse estrangulamento, a maioria dos soldados estava despreparada, desprotegida, sem condições de alimentarem-se de forma condizente com um soldado próximo à batalha.
Esse fato, longe de ser um momento de uma falha logística vem a condicionar muito dos motivos pelos quais os fatos relatados no livro, entre mortes por fome, privações como momentos de absoluta crueldade, como estaqueamentos e outras formas de punição que beiraram o absurdo absoluto.
Matar uma ovelha era motivo para que os soldados fossem colocados semi-nus no chão úmido e frio do inverno do sul o que provocou amputações e problemas de saúde que se perenizaram.
Além do mais, é de se notar que os altos mandos argentinos desprezaram os relatos dos médicos que indicavam graves casos de desnutrição o que abalou o poder combativo e, apesar do empenho das tropas foram fatores decisivos no desgaste do grosso das tropas colocadas no arquipélago.

O PÓS-GUERRA E A FALTA DE JUSTIÇA

Os que voltaram foram escondidos, realimentados para parecerem menos debilitados e são obrigados a firmar documentos que  los impedia de denunciar junto aos órgãos de justiça os abusos sofridos. Muitos calaram não apenas por conta do compromisso firmado mas também pela intensa humilhação que sofreram e do qual demoraram a se recuperar e quando o fizeram não tiveram seus reclamos não reconhecido como crimes de lesa humanidade, um debate que segue e que ainda está para serem resolvidos assim como as gestões junto aos ingleses para reconhecer os mortos ainda sem identidade conhecida.
Como se pode perceber esses assuntos que delineamos aqui e são abordados no livro e que merece uma leitura detalhada e com o interesse do conhecimento não apenas da história argentina mas de nosso continente. Uma história que nós brasileiros desconhecemos o que é lamentável. Recomendações sinceras.

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